EM DEFESA DO CULTO DE PASSAGEM DE ANO

Sabemos todos que vivemos dias de apostasia na Igreja, mais um dos muitos sinais que estão a indicar a proximidade do arrebatamento da Igreja e do término da dispensação da graça.

No entanto, as manifestações desta apostasia não podem ser simplesmente ignoradas pelos servos do Senhor Jesus, até porque devemos, como nos ensina Judas, o irmão do Senhor, “batalhar pela fé que uma vez foi dada aos santos” (Jd.3 “in fine”), inclusive reagindo como nos ensina o pastor Natanel Rinaldi, considerado o maior apologista evangélico brasileiro, que afirmou, em entrevista, que “temos de agir amando a verdade como eles [os hereges, observação nossa] se apegam à mentira” (Apologética, ano 2, ed. 9, p.65).

Assim, não podemos nos calar quando vemos movimentos dentro de nossas igrejas locais que são sinais desta apostasia, sendo nosso dever denunciá-los e, no limite de nossas forças, fazer com que sejam neutralizados e retrocedam, “salvando alguns, arrebatando-os do fogo” (Jd.23 “in initio”), para usar, uma vez mais, de uma expressão de Judas.

Temos notado que, de forma crescente, muitas igrejas locais têm banido de suas atividades o “culto da passagem de ano”, aquele culto em que a Igreja se reúne para ver, a um só tempo, o final do ano em curso e o início de mais um ano.

Muitos têm justificado esta retirada com diversos argumentos: são muitos os irmãos que viajam nesta época do ano e, portanto, a frequência de tal culto é diminuta; o horário do culto é sacrificante para os irmãos, máxime nas grandes cidades, onde a violência e criminalidade só fazem aumentar; trata-se de um momento eminentemente familiar e se deve prestigiar a vida familiar dos irmãos.

Todas estas “justificativas”, entretanto, não passam de desculpas para se esconder o que realmente está ocorrendo para que alguns já tenham retirado este culto de suas agendas: a apostasia, o distanciamento de suas vidas do Senhor Jesus.

O “culto da passagem de ano”, por primeiro, não é uma invenção nem tampouco uma “tradição” criada no bojo das igrejas evangélicas e do movimento pentecostal.

Verdade é que, na história das Assembleias de Deus, vemos que se trata de uma prática que já era adotada pelos pioneiros, como, v.g., Gunnar Vingren que retornou aos caminhos do Senhor no culto de vigília de Ano Novo em 1896, quando tinha 17 anos de idade (VINGREN, Ivar. Diário do pioneiro Gunnar Vingren. 5.ed., p.20), prática que instalou nas nascentes Assembleias de Deus, visto que noticia que, no culto de ano novo de 1914, o Senhor usou em profecia a irmã Celina Albuquerque, a primeira pessoa a ser batizada com o Espírito Santo em terras brasileiras (op.cit., p.68).

Entretanto, a ideia de celebração solene diante de Deus da passagem de ano vem-nos da própria lei de Moisés. A “festa das trombetas”, realizada no dia primeiro do mês sétimo (Lv.23:24,25) é o que se denomina de “Ano Novo Judaico”, o conhecido “Rosh Hashanah”, solenidade “…cujo significado e solenidade, para os devotos…”, segundo o estudioso judaico Nathan Ausubel diz que “…só está abaixo do dia de Iom Kipur, o Dia da Expiação…” (Rosh Hashanah”. In: A JUDAICA, v.6, p.732).

Verificamos, pois, que o Senhor desejava que o Seu povo, na passagem de um ano para o outro, fizesse isto de forma solene, a fim de que se lembrasse de que a passagem do tempo é uma dádiva divina, é um momento, um instante em que devemos recordar de nossa dependência de Deus e da circunstância de que o tempo é uma realidade para os homens, o que, entretanto, inexiste para o Senhor.

O judeu francês Émile Durkheim (1858-1917), considerado o primeiro sociólogo moderno, em seus estudos, bem demonstrou que um dos papéis da religião na sociedade é o de dar noções de espaço e de tempo, noções fundamentais para o próprio desenvolvimento do raciocínio humano.

Ao determinar a celebração da passagem do ano (como também o princípio do meses, cf. Nm.10:10), o Senhor queria deixar bem claro a Israel de que Ele é o Senhor do tempo, que Ele é eterno e que tudo o que ocorre no tempo é algo que está diante d’Ele e que devemos ser agradecidos ao Senhor por tudo o que aconteceu, lembrando também que de tudo daremos conta a Ele.

Embora não estejamos debaixo da lei, é evidente que os princípios que norteiam a celebração da passagem de ano permanecem na graça, visto que têm a ver com a soberania divina, a gratidão do povo de Deus e a consciência de que a passagem do tempo é um sinal da dependência do homem em relação ao seu Criador.

A existência de um culto de ano novo, portanto, é uma forma de a Igreja agradecer a Deus pela passagem deste tempo, de recordar a sua responsabilidade pelos atos praticados e de reafirmar a dependência que temos em relação a Deus em tudo o que fazemos.

O calendário, como diz Durkheim, ajuda-nos a organizar a nossa mente, a fazermos uma análise de nossas atitudes e de nossa vida, a fazermos um autoexame, o que é fundamental para que nos mantenhamos em comunhão com o Senhor (cf. I Co.11:28). Não é desarrazoado, aliás, que muitas igrejas locais tenham aproveitado a ocasião para também celebrar a ceia do Senhor, máxime nas denominações que o fazem anualmente.

O culto de ano novo encerra, assim, uma importante mensagem: a admissão de que o período de tempo transcorrido se deve única e exclusivamente ao Senhor e que d’Ele dependemos em tudo, motivo pelo qual sempre iniciamos e terminamos o ano na presença do Senhor.

O culto de ano novo traduz a completa dependência que temos do Senhor, o reconhecimento de que “sem Ele nada podemos fazer” (cf. Jo.15:5 “in fine”), de que Ele ocupa a primazia em nossas vidas, pois Ele é “o princípio e o fim” (AP.1:8; 21:6; 22:13).

Ao começarmos e terminarmos um ano na presença do Senhor, reunidos em Seu nome, na igreja local, estamos declarando a todos que o Senhor é a razão de ser de nossas vidas, de que não mais vivemos para nós mesmos, mas para Ele (Gl.2:20).

Quando, porém, pomos outros interesses acima desta celebração, estamos, simplesmente, admitindo que a reunião coletiva da Igreja, o culto a Deus na igreja local é algo que ocupa apenas o “tempo de sobra”, algo que é secundário.

Dizer que a frequência da igreja é diminuta nesta época do ano, o que justificaria a retirada deste culto da agenda é uma falácia, pois o Senhor diz que estará presente onde estiverem dois ou três reunidos em Seu nome (Mt.18:20) e esta diminuta frequência, ademais, não retira da agenda outras reuniões, como as do meio de semana, cada vez mais vazias.

Dizer que o horário do culto é sacrificante para os irmãos é também outra falácia, pois, em outras reuniões (e algumas nada edificantes), não se verifica a questão de horário, quando isto convém, e em períodos onde não há uma intensa movimentação, como ocorre nos finais de ano, onde há uma tradição da espera do novo ano e um intenso e anormal movimento nas ruas, inclusive nas grandes cidades, apesar do horário.

A propósito, muitos que “não querem se sacrificar” ficando até meia noite nas igrejas locais, são os mesmos que, “livres do compromisso do culto de ano novo”, vão se somar a multidões à espera do ano novo nas ruas, em ambientes e circunstâncias muito mais perigosos, como são as concentrações de “réveillon” tradicionalmente organizadas nas cidades. Deixa-se de realizar os cultos de ano novo e os crentes vão para os foguetórios, para os “shows de virada” e tantas coisas nada edificantes do ponto-de-vista espiritual…

Dizer que se trata de um “momento familiar” e de que o culto de ano novo prejudicaria a vida familiar dos irmãos é outro raciocínio enganoso, visto que o culto de ano novo é, precisamente, o momento em que a família pode estar diante de Deus para agradecer ao ano que termina e pedir as bênçãos de Deus para o ano que começa. Caso o salvo não tenha seus familiares na casa do Senhor, isto não o impede de convidá-los para ir ao culto ou de, primeiro, adorar a Deus e, em seguida, dirigir-se até onde estão seus familiares para com eles compartilharem o momento festivo.

Estes crentes que querem ter “um momento familiar”, por acaso, na passagem do ano, realizam “culto doméstico” em suas casas? Evidentemente que não, até porque não o fazem o ano inteiro, por que o fariam agora? Que “preocupação com o momento familiar” é esta se não há sequer comunicação entre os membros da casa durante o ano? Tudo não passa de uma artimanha para se fugir da presença do Senhor.

A propósito, estes mesmos que se dizem “preocupados com a vida familiar”, montam agendas durante o ano que, na prática, inviabilizam a vida familiar de seus membros, a indicar que não é este o real motivo para o banimento do culto de ano novo.

O que temos, pois, na verdade, para esta prática que se tem intensificado é um sentimento de distanciamento do Senhor. As pessoas, apesar de se dizerem cristãs, estão cada vez mais deixando Deus de lado, não se sentem dependentes do Senhor, não põem Deus em primeiro plano, não têm mais a consciência de que sem Ele nada pode ser feito.

Por isso, querem aproveitar os momentos festivos para se divertirem, para o entretenimento, não tendo mais uma vida compromissada com Deus. É este o verdadeiro espírito que está por detrás de medidas como estas, que traduzem apenas um desvio espiritual crescente e preocupante.

Entendamos, pois, a importância e o significado do culto de ano novo e que, com esta celebração, assumamos, a cada mudança de ano, o compromisso de viver cada vez mais na dependência do Senhor, que nos quer dar a vida eterna, o instante em que estaremos, para sempre, livres da barreira do tempo.

Caramurú A.Francisco,

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